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Ensandecer
Quarta feira, vinte e três horas e quarenta e cinco minutos de uma noite gelada em São Paulo. Sentadas nos bancos frios, as pessoas se recostam em seu espaço como podem, ou acotovelam-se no corredor cheio de mochilas e pastas. Estudantes, na certa. Eu também. Transporte público não é muito divertido, principalmente quando você está perto de desabar de sono ou cansaço, depois da batalha diária. Mas, naquele dia, ao menos alguma coisa aconteceu. Alguma coisa que despertou alguns da sonolência, irritando-os. A mim, apenas divertindo. Até que enfim. Sentado no banco do motorista, o homem inquieto apertava cada vez mais o fone no ouvido, talvez na esperança que pudesse fazer parte do universo que ouvia; então, durante as manobras nas curvas molhadas pelas quais direcionava o ônibus, ele gritava, num surto de emoção visível em seus olhos repentinamente arregalados: - TIRA ISSO DAÍ! ….ACABA LOGO COM ISSO PELO AMOR DE DEUS! Eu ria. Me divertindo com o nervoso do homem, que, no limite das possibilidades, dava pulos em sua cadeira e se mexia sem parar. Alguns passageiros reclamavam aos sussurros da imprudência do homem. - Como ele pode dirigir desse jeito? Vai acabar batendo o ônibus! - Gente assim não tem jeito não … é doença. Foi nessa hora que eu me dei conta da loucura do homem. Não a loucura que era dirigir um ônibus enquanto envolvido em outra atmosfera (ele quase parecia cego), mas a loucura que o fazia dirigir um ônibus, mesmo totalmente disperso. Devia ser doença mesmo, loucura das bravas!Eu nunca via pessoas tão apaixonadas por uma coisa daquele tipo, dava pra ver que a tensão que emanava do motorista envolvia cada um que fazia parte da “espécie”, inclusive eu. Bipolaridade talvez? Quem sabe… - SAI, SAAAI! … UUUUUHH! AÊÊÊÊ, JÁ DEU! JÁ DEU! 3 MINUTOS? PUTA MERDA! Os três minutos seguintes, pareceram durar 10, pra mim. O coitado devia estar com a sensação que duravam, pelo menos, mais 45min. - AEEEEW JUIZÃO! ACABOOOU! TAMO NA FINAL ! VAAAAI CORINTHIANS!!! “AQUI TEM UM BANDO DE LOUCO ….” E a gritaria durou até que eu deixasse o ônibus, sorrindo com a situação, e com o alívio de saber que tudo tinha acabado bem, pelo menos aquela noite. O homem, ah, ele não estava sozinho apesar de sua voz ser a única a explodir naquele espaço, pelo menos mais 25 milhões de corações espalhados pelo Brasil gritavam o mesmo hino, a mesma vitória. Deitei-me aquele dia ainda com a cena em minha cabeça, o sorriso no rosto e uma música de fundo que dava o tom perfeito pro acontecimento. ♪ “…. eternamente, dentro dos nossos corações …” ♪
Read MoreMiniconto 32* - Disputa
Isolado, odiava ter que dividir espaço, mesmo que com o rato da cozinha. Acabou com a brincadeira. O rato, livre do perigo de veneno, comemorou.
Read MoreReciclagem faz bem
Acabo de sair de minha apresentação de Iniciação Científica. Não sei bem se posso chamá-la assim, alguém faz estudo científico sobre microcontos? Fato é que é fato que a beleza está nos olhos de quem vê, então, orientada pela querida Prof° Sandra Trabucco levantei a bandeira da escrita minimalista dentro de mim mesma, pra conseguir passar aos outros a magia desse tipo de literatura. Não, esse post não uma releitura e nem um resumo do meu trabalho, pois como disse, é complicado falar muito sobre algo (visualmente) pequeno quanto um miniconto, a não ser com relação às suas vantagens, sua ligação com a linguagem publicitária em si e – numa perpespectiva um pouco mais “técnica” – sua relação com novas tecnologias de informação e comunicação, como este blog. Escrevo aqui, reflexiva e pessoalmente, sobre a percepção humana das coisas, e o desejo inabalável de descobrimento que temos, mas muitas vezes não usamos. Digo isto porque, há minutos estava eu numa sala rodeada por mais ou menos 30 pessoas, boquiaberta com a declaração de uma menina que dizia ser uma idéia genial se pudéssemos fazer piquiniques em museus, como assim? Dizia ela, eloqüente: “A brancura das paredes e a disposição higiênica das obras só nos dá a impressão (mesmo inconsciente) de que nunca poderemos chegar realmente perto daquilo, nunca faremos parte daquele universo, porque somos sujos, temos necessidades fisiológicas” (bom, foi mais ou menos isso). E aí paramos pra refletir sobre a conseqüência que uma cultura higiênica causa na relação das pessoas, entre elas próprias e todo o resto material físico que as envolve. Devaneio (loucura?) pura. Uma delícia. Coisa que todos deviam fazer regularmente, não exatamente sobre “museus parque”, mas sobre qualquer pergunta que nos fazemos e temos preguiça de achar uma resposta. O bacana de participar de um “Encontro de Iniciação Científica” é que, além da base que adquirimos sobre vários assuntos, ainda há a reflexão sobre o que você acredita e o que realmente aparenta ser – para seus companheiros de universo. Sei que nem todos tem a oportunidade de participar de encontros como este com outras pessoas ( aliás, isso acontece pelo menos duas vezes ao ano na Universidade Anhembi Morumbi, e é aberto ao público, as informações são divulgadas no site), mas é interessante fazer encontros assim com nós mesmos, sobre as nossas percepções. Reciclagem faz bem e custa barato! Pratiquem :D
Read MoreMiniconto 31* - Revolta
Ela não podia lamentar sua cegueira: todas as suas varizes, estrias e celulites não fizeram mais diferença. Agora ele estava na coleira.
Read MoreMiniconto 30* - Primeira Primeiridade
Abrindo os olhos viu panos brancos, olhares cansados em rostos suados parcialmente escondidos. Esperou tanto tempo pra isso? Decepcionado, chorou.
Read MoreMiniconto 29* - Recorde
Guinness de mulher com o ciclo menstrual mais regular do mundo: sempre a cada 9 meses. Não deu pra agradecer aos 28 filhos no discurso.
Read MoreMiniconto 28* - Exagero
Carente, um dia decidiu espancar um colega de classe e sair voando pela janela em seguida. Os pais finalmente descobriram seu gosto por quadrinhos.
Read MoreMiniconto 27* - Evasão
Fazia coleção de bolsas Louis Vuitton como se pudesse guardar, em cada uma delas, suas crescentes rugas e frustrações diárias.
Read MoreMiniconto 26* - Positividade
A pobreza o fez cavalheiro: abria a porta do passageiro a todos que andavam no velho carro, com a maçaneta que não existia pelo lado de dentro.
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