Diz para ela
- Gessica Borges
- Adolescência , Conselhos , Diário , Identidade , Negritude , Relacionamento abusivo
- July 10, 2016
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Volta lá e diz para ela parar de ser besta. Que esse negócio de ser feliz para sempre com um homem é exercício utópico e que nunquinha funciona na real. O negócio é ser feliz agora. Aliás, ela é livre para escolher homem, mulher, o que ela quiser, viu? Só para deixar claro.
Diz para ela parar de se comparar com as garotas brancas da escola, que o nome desse complexo de inferioridade é racismo, e que essa busca por ser diferentona através do rock não vai dar em nada se ela não parar e olhar para si mesma, de verdade. Sem vergonha do corpo, cabelo, cor, trejeito.
Outra coisa: já passou da hora de deixar de ser trouxa. Não importa se o cara é superdotado e descoladão. Não se sente confortável para falar? Tá na hora de cair fora. Faz ela sentir que nunca pode ser feliz com outra pessoa? Cai fora. Quanto mais machuca, mais ela quer ficar? Fora. Se diz entendido das mulheres, mas não dá prazer? Fo-ra. Tem muita gente no mundo para gastar energia.
Chega! Acabou a invejinha da gatinha branca classe média. Envolvida com artes e nerd de carteirinha meu ovo. Com papai pagando a HQ edição definitiva e mamãe fazendo comidinha gostosa para o jantar fica fácil ter tempo e cabeça para isso. Não adianta ela tentar explicar para boy porque sofre. Diz para ela que há mais o que fazer do que ficar recalcada com gente que usa a expressão “não sou tuas nega”.
Aliás, já que ela gosta das artes, cinema e livro tudo, pergunta se ela já ouviu falar do Jean Basquiat, da Ava DuVernay, e da Chimamanda Adichie, só para começar. Existe uma coisa chamada representatividade que vai mudar a vida dela. É tipo assim: superlegal assistir um filme bacana com o Morgan Freeman e tal, mesmo ele sendo quase sempre o clássico “Magical Negro”, mas quando ela experimentar ver Middle Of Nowhere, Faça a Coisa Certa, ou mesmo o “sessão da tarde” Waiting to Exhale láááá de mil novecentos e bolinha, nossa, aí ela vai ver o que é magia negra. Nada como fazer parte. O “Americanah” da Chimamanda vai causar a mesma sensação, com o bônus dos tapas na cara dos que gostam de cortar discurso de oprimido com a famigerada desculpa de exagero.
Com um pouquinho mais de autoconhecimento, menos blá blá blá de gente que nunca passou pela luta, e mais (bastante mais) de amor próprio, ela vai ficar bem, você vai ver. É tudo tão diferente quando a gente entende porque é e de onde vem! Dói para caralho. Dói mesmo. Mas a resistência compensa, eu juro.
Vai, volta lá e diz para ela parar de se culpar por não ser feliz.