Carta de uma jovem velha

Não sei se poder inconsciente de um livro, ou fato consciente da vida, hoje descobri: sinto-me uma velha. Dessas que viveram à toda atrás de um amor, ainda que aqueles de verão. Invejo quem pode se apaixonar, sem vergonha do colorido das palavras, do sustenido do coração… tão óbvio, tão adolescente. Um coração quente que não se pode gelar, nem pela morte. Sinto-me uma velha ao observar o comportamento dessas crianças, sempre radiantes, combinando com os dias intermináveis de sol . Enquanto eu, aqui, sentada a olhar as nuvens sem forma, o ar denso e triste, os passos apressados dos corações descompassados de tanto amor. Meio século se passou desde o primeiro beijo apaixonado, e nada é como se fosse ontem, mas sim como um futuro do passado. Assim: tão trágico e sem esperança. Sinto-me uma velha com esses olhos insóbrios de tanto esperar. Uma velha escondida entre os tantos romances avassaladores e eternos. Aqui, sentada, regando com esforço o hedonismo nas madrugadas de saudade.

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